Visitei meu blog antigo e tomei um susto. Mexi nele por um ano e meio. Tá certo que não no ritmo que tenho procurado imprimir por essas bandas, mas mesmo assim.
Por lá as coisas eram um pouco diferentes, o foco era outro, mas quando em vez tinha alguma coisa interessante. O que trago abaixo é uma dessas coisas, um post em que transcrevi uma parte do "Três Alqueires e uma Vaca", do Gustavo Corção, que é um ensaio sobre a obra de outro gênio G.K. Chesterton (falar nisso tem link novo na área, um deles justamente sobre este gigante). Segue:
"Outro exemplo do moderno interêsse pela infância pode ser encontrado num livro de Henri Pieron, onde êsse triste personagem descreve a pequena experiência que fêz com uma menina de dois ou três anos. Mancomunado com uma enfermeira, arranjou uma velha boneca e deu-a à menina. Depois ficou rondando por ali, ou deixou recado à sua cúmplice, para observar o momento em que a criança tomasse interêsse bem marcado e bem afetivo pela boneca. Chegado êsse momento começa a experiência. (Queria êle, parece-me, observar o fenômeno de associações psicológicas ou coisa que o valha). Muniu-se de um gongo ensurdecedor e pôs a boneca ao alcance da menina. Quando ela estendeu a mão para pegar a boneca deu êle uma forte pancada no gongo. A criança assustou-se, fêz bico, mas ao cabo de algum tempo voltou a pegar a boneca. Novo estampido. A criança chora. Novo intervalo e lá volta ela, obstinada, a estender a mão. Agora a enfermeira puxa o lençol da cama e a criança cai. No fim de uma dúzia dessas interessantes experiências do Sr. Pieron anota, satisfeito, que a criança já não pode mais suportar a boneca. Basta mostrar-lhe a boneca para que ela chore.
O leitor terá observado que descrevi a experiência do psicólogo com uma certa objetividade, defendendo-me de um natural sentimento, que prejudicaria certamente a serenidade da demonstração. Se êles querem ser científicos, eu também quero. É justamente o aspecto intelectual daquela experiência que mais me impressiona. principalmente considerando que o doutor era assistido por uma mulher. Chego a admitir, nessa ordem de idéias, que êle tivesse feito a experiência, mas o que me custa a admitir, é que não tenha passado pelo espírito cotejar o seu magro resultado. Bastava-lhe sair pela rua, perguntando a tôdas as boas mulheres que fôsse encontrando, cozinheiras e lavadeiras, para que elas lhe dissessem que há seis mil anos, pelo menos, as crianças maltratadas choram e pegam cismas. E tenho para mim que o observador deixou escapar um detalhe: provavelmente a criança chorava, mesmo sem boneca, vendo o psicólogo.
Com êsses e outros exemplos, eu chego à conclusão de que os pedagogos e sociólogos se interessam pela criança porque ela é a reserva de pelotões e porque ela é um material barato. Ou então eu chego à conclusão mais exata de que êles não se interessam absolutamente pela criança. E nesse ponto, deixando de lado problemas morais da mais relevante importância (que são aliás corolários de um desvio de razão), eu insisto em dizer que o nervo da questão está numa incapacidade de sentir o mistério onde êle se apresenta mais fulgurante, mais palpável, mais feérico, mais banal, mais extraordinário e mais cotidiano: a infância."
Tirando um pouco do contexto em que o exemplo se insere no texto do Corção, não posso deixar de associar a coerência macabra do psicólogo com a lógica desumana de muitos dos meus colegas do "direito". O princípio é o mesmo, a desumanização, ou nos termos de Corção/Chesterton, o esquecimento do mistério em prol de uma razão pura.
No exemplo acima mais vale a comprovação "científica" de algo evidente do que os maltratos à criancinha de três anos, no direito hoje mais vale manter a "coerência" do sistema legal construído pelos legisladores e julgadores do que aplicar a Justiça (estou falando do valor e não do que chamam de justiça, que é exatamente a coerência do sistema), ainda que isso signifique maltratos indevidos a uma pessoa.
"Tuu totus ego sum, et omnia mea tua sunt"
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