segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre o Amor Verdadeiro


Mais uma tradução da colaboradora Rafaela Nascimento:


Sobre o Amor Verdadeiro 


Alice Von Hildebrand - 1º de Julho, 2007



Vivemos em uma era de grande confusão. Podemos dizer que vivemos não apenas uma confusão intelectual, mas uma confusão afetiva também. Muitas pessoas não sabem como avaliar suas emoções, pois elas não conseguem distinguir entre sentimentos verdadeiros e falsos. Elas não sabem ao certo se estão amando realmente ou se estão apenas empolgados e com desejo de acreditar no amor porque estão carentes. Elas confundem "amar" com estar apaixonado, ou estão sempre "discernindo", sem chegar de fato, a uma decisão.

Longe de afirmar que eu possa responder a esta pergunta, tudo o que pretendo fazer é oferecer alguns "sinais" que podem ser úteis para as pessoas quando fizerem essa pergunta: Estou ou não estou amando verdadeiramente?

Boas experiências geralmente chegam como uma surpresa - presentes incríveis que não são de modo algum, frutos de nossa artimanha ou de planejamento. Elas simplesmente nos atropelam, e nossa primeira reação é: "Eu não sou digno de tamanho presente. Ele (ou ela) é muito melhor do que eu". Nossos corações ficam inundados com gratidão, uma gratidão que nos torna humildes. Nós nos sentimos indignos desse presente, que parece despertar-nos de um sono profundo. Sem dúvida, a pessoa que ama, "verdadeiramente começa a viver". A pessoa que nunca amou vive em um estado de sonambulismo e se move como um robô, cumprindo seus deveres diários com apatia no coração - um coração que parece não bater.

Quando estamos amando, nós experimentamos uma alegria profunda, uma alegria que é ao mesmo tempo ardente e tranqüila, como um arbusto em chamas, mas este ardor não é destrutivo. A alegria vem do fundo do nosso ser e é muito diferente das fortes emoções que vivenciamos em paixões violentas, que não vem do interior e como um fogo de palha, duram pouco tempo e logo passam.

O coração não esta apenas pegando fogo, mas este fogo tem um efeito de fusão. Sentimos como se uma bondade que não é nossa tomasse conta de nós. Dietrich von Hildebrand fala sobre os "fluídos de bondade" de um coração amoroso.

O amor verdadeiro faz com que a pessoa que ama fique mais bonita, ela irradia alegria. Se este não for o caso, podemos levantar sérias dúvidas se ela está realmente amando. Um ditado francês diz que: "Un saint triste est un triste saint"- um santo triste é um triste santo. Da mesma forma, um "amante" triste deve questionar se realmente ama. Pequenos e simples deveres são feitos com alegria, porque ou eles são feitos "com ele" ou "com ela", ou porque eles são feitos com amor.

O verdadeiro amor nos torna humildes. De repente, nossas fraquezas, misérias e imperfeições surgem em nossas mentes, mas sem nos causar aflição. Nós vemos os nossos erros e temos o desejo de mostrá-los para o nosso amor, para que ele nos ajude a superá-los. Queremos revelar-nos de uma forma pura espiritualmente, para que verdadeiramente sejamos conhecidos pela pessoa que amamos, temos medo de deixar que o nosso amado acredite que somos melhores do que realmente somos. Nós sentimos que o ser amado tem o direito de conhecer o nosso “verdadeiro eu” e não nossa caricatura.

O amor também está ligado a um realismo santo. A beleza da pessoa amada aparece em nossa frente, mas sem ilusão, sua beleza não é um fruto de uma ilusão, mas uma visão real - como no Monte Tabor - onde o amado terá de permanecer fiel a ela, quando essa beleza for inevitavelmente, ofuscada pela dureza do dia-a-dia.

A pessoa que ama, sempre estará disposta a dar a pessoa amada o que Dietrich von Hildebrand chama de "o crédito do amor" - isto é, quando o ente querido age de uma maneira que não entendemos ou que nos decepciona, em vez de condená-lo, a pessoa que ama vai confiar que, a vida sendo tão complexa como é, pode justificar as ações do ser amado, muito embora à primeira vista, essas ações nos causem grande dor e lamentação. A pessoa que ama verdadeiramente procura ansiosamente por "desculpas" quando o comportamento da pessoa amada nos decepciona. Ela cuidadosamente evita julgar a conduta do outro, por mais difícil que isso possa parecer em um primeiro momento. Ele se alegra ao descobrir que estava enganado.

Como é triste a peça Cymbeline de Shakespeare, quando Posthumus é informado por um escravo canalha que sua mulher, Imogene, o tinha traído. Ele acredita no caluniador, embora tivesse muitas provas que comprovavam que ela o amava e que esse amor era puro. A peça tem um final feliz, mas esboça poderosamente a amargura, raiva e desespero de alguém que fica convencido de que a pessoa que ama, aquela cuja imagem é a fonte de sua alegria, o traiu.

Podemos dizer que amamos de verdade quando a impaciência do ser amado, a ingratidão, ou "rudeza" (em outras palavras, quando sua verdadeira beleza é revelada) nos causam mais sofrimento porque ele está manchando sua roupa bonita e apresenta-nos uma caricatura da sua verdadeira face, do que  se de fato tivesse nos ferido.  Acima de tudo, o verdadeiro amante se entristece quando a pessoa amada ofende a Deus. Por ordem de importância, a ofensa a Deus é a fonte primária de tristeza, o mal que ele faz a sua própria alma é a segunda; e por último –embora seja profundamente doloroso - é a ferida que ele inflige a quem o ama tão profundamente .

Quem ama verdadeiramente está mais preocupado com os interesses da pessoa amada - o que realmente beneficie a alma da pessoa amada - que com os seus próprios. Daí a disposição de fazer sacrifícios por ela nas pequenas coisas da vida quotidiana em que os gostos das pessoas diferem: um quarto muito quente ou mais frio; comer em casa ou num restaurante, ir a um jogo de futebol ou ficar em casa; assistir um programa de televisão quando o outro deseja ver um programa diferente, e assim por diante. No entanto, essa concessão deve ser limitada a casos de preferências subjetivas, é claro, e nunca deve estender-se aos princípios. Ainda assim, todos nós sabemos de cônjuges muitas vezes mal tratados por seus maridos (ou esposas), que estão tão preocupados com o bem-estar eterno da pessoa amada que eles aceitam todos estes sofrimentos, oferecendo-los para sua causa.

Um grande sinal de amor verdadeiro é o da paciência amorosa que se tem em relação às fraquezas do ser amado. Pode ser suas idiossincrasias, seu temperamento, suas manias (todos nós temos), pode ser suas fraquezas físicas, suas singularidades psicológicas, a sua incapacidade intelectual para seguir uma linha reta de raciocínio; seu transtorno, ou o seu fanatismo pela ordem. Se a um monge é dado constantemente ocasiões para "morrer para a sua própria vontade" (como diz São Bento), o mesmo acontece com os casamentos. Cardeal John Henry Newman, escreve que, mesmo nas mais profundas relações humanas, quando o amor é autêntico, a vida em comum dará uma abundância de oportunidades para provar o seu amor ao sacrificar as suas próprias preferências.

A História de uma Alma, a partir deste ponto de vista, é também um tesouro espiritual. Santa Teresa de Lisieux claramente sofreu muito com a falta de educação e boas maneiras de algumas freiras. Ela aprendeu a santa arte de usar toda e qualquer irritação para dar glória a Deus, incluindo o ruído enervante que uma irmã fazia na tenda ao lado dela, que a impedia de rezar e de se recolher. Ainda assim, Teresa conseguiu vencer tudo isso através do amor.

Surpreendentemente, isso também pode trazer felicidade e melhorar os casamentos, mesmo quando a pessoa que amamos tenha ferido nossos corações. O verdadeiro amante, cujo amor é batizado, vai usar estes sacrifícios insignificantes como faziam na Idade Média, quando artistas usavam pequenas porções de lã para fazer tapeçarias maravilhosas.

O verdadeiro amante sempre usa palavra "obrigado". Também é fácil para ele dizer "me perdoe", para bem do relacionamento, por que inevitavelmente nós cometemos erros. Se alguém imagina que ele pode encontrar-se em uma situação em que ele nunca vai cometer um erro, essa pessoa não deve se casar, ou ter filhos, ou entrar para um convento. A arte sagrada da vida é saber que vamos cometer erros, reconhecê-los, arrepender-se e, com a graça de Deus, ter a prontidão para a mudança.

Simultaneamente, é importante que ambos reconheçam os seus erros. Todos nós conhecemos casos em que uma das pessoas é sempre crítica do outro e facilmente se esquece que "a prontidão para a mudança" deve ser recíproca, e que ele também é afetado pelo pecado original.

Outra característica do amor verdadeiro é que o ser amado "está sempre presente” com a gente, mesmo quando estamos ocupados ou absorvidos com alguma obrigação. Ele cria o quadro de nossos pensamentos (depois de Deus). Assim como a fé em Deus e o amor de Deus devem ser sempre o fundo de todos os nossos pensamentos e ações, o ente querido está sempre conosco, ou seja, tudo o que nos acontece esta sempre relacionado com a pessoa amada.

O amante sente uma urgência santa para dizer "obrigado" e "me perdoe". Ela brota do seu coração sem esforço. O verdadeiro amante experimenta a verdade profunda das palavras do Cântico dos Cânticos: "Se alguém desse toda a riqueza de sua casa em troca do amor, só obteria desprezo".


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