Mais uma tradução da colaboradora Rafaela Nascimento:
Sobre o Amor Verdadeiro
Alice Von Hildebrand - 1º de Julho, 2007
Vivemos em uma era
de grande confusão. Podemos dizer que
vivemos não apenas uma confusão intelectual, mas uma confusão afetiva também. Muitas
pessoas não sabem como avaliar
suas emoções, pois elas não conseguem distinguir entre sentimentos
verdadeiros e falsos. Elas não
sabem ao certo se estão amando realmente ou se estão apenas empolgados e com desejo de acreditar no amor
porque estão carentes. Elas
confundem "amar" com
estar apaixonado, ou estão sempre "discernindo", sem chegar de fato, a
uma decisão.
Longe de afirmar que eu possa responder a esta pergunta, tudo o que pretendo fazer é oferecer alguns "sinais" que podem ser úteis para as pessoas quando fizerem essa pergunta: Estou ou não estou amando verdadeiramente?
Boas experiências geralmente chegam
como uma surpresa - presentes incríveis
que não são de modo algum, frutos
de nossa artimanha ou de planejamento. Elas simplesmente nos
atropelam, e nossa primeira reação é: "Eu não sou digno de tamanho presente. Ele (ou ela) é muito
melhor do que eu". Nossos corações ficam inundados com gratidão,
uma gratidão que nos
torna humildes. Nós nos sentimos indignos
desse presente, que parece despertar-nos de um
sono profundo. Sem
dúvida, a pessoa que ama, "verdadeiramente começa a viver". A
pessoa que nunca amou vive em um estado de sonambulismo
e se move como
um robô, cumprindo seus deveres diários com apatia no coração -
um coração que parece
não bater.
Quando estamos amando, nós
experimentamos uma alegria profunda, uma alegria que é ao
mesmo tempo ardente e tranqüila, como um
arbusto em chamas, mas este ardor não é destrutivo.
A alegria vem do fundo do nosso ser e é muito diferente das fortes emoções que vivenciamos em paixões
violentas, que não
vem do interior e como um fogo de palha, duram pouco tempo e logo passam.
O coração não esta apenas pegando fogo, mas
este fogo tem um
efeito de fusão. Sentimos
como se uma bondade que não é nossa tomasse
conta de nós. Dietrich von Hildebrand fala sobre
os "fluídos de bondade" de um coração amoroso.
O amor verdadeiro faz com que a pessoa que ama fique mais bonita, ela irradia alegria. Se
este não for
o caso, podemos levantar sérias dúvidas se ela está
realmente amando. Um ditado
francês diz que: "Un saint triste est un triste saint"- um
santo triste é um triste santo. Da mesma
forma, um "amante" triste deve questionar se realmente ama. Pequenos e simples deveres são feitos com
alegria, porque ou eles são
feitos "com ele" ou
"com ela", ou porque
eles são feitos com amor.
O verdadeiro amor nos torna humildes. De repente, nossas
fraquezas, misérias e imperfeições surgem em nossas mentes,
mas sem nos causar aflição. Nós vemos os nossos erros
e temos o desejo de mostrá-los para o nosso amor, para que ele nos
ajude a superá-los. Queremos revelar-nos de uma forma pura espiritualmente,
para que verdadeiramente sejamos conhecidos
pela pessoa que
amamos, temos medo de deixar que o nosso amado
acredite que somos
melhores do que realmente somos. Nós
sentimos que o ser amado tem o direito de conhecer o nosso “verdadeiro eu” e não nossa caricatura.
O amor também está ligado a um
realismo santo. A
beleza da pessoa
amada aparece em nossa frente, mas sem
ilusão, sua beleza
não é um fruto de
uma ilusão, mas uma visão real - como no Monte Tabor - onde o amado terá
de permanecer fiel a ela, quando
essa beleza for inevitavelmente, ofuscada
pela dureza do dia-a-dia.
A pessoa que ama, sempre estará disposta a dar a pessoa amada
o que Dietrich von
Hildebrand chama de "o
crédito do amor" - isto é, quando o ente
querido age de uma maneira
que não entendemos ou que nos
decepciona, em vez de condená-lo, a
pessoa que ama vai confiar que,
a vida sendo tão complexa
como é, pode
justificar as ações do ser amado, muito embora à primeira vista, essas ações nos causem grande dor e
lamentação. A pessoa que ama verdadeiramente procura
ansiosamente por "desculpas" quando o comportamento da pessoa amada nos decepciona. Ela cuidadosamente
evita julgar a conduta do outro,
por mais difícil que isso possa parecer em um primeiro momento. Ele se alegra ao
descobrir que estava enganado.
Como é triste a peça Cymbeline de
Shakespeare, quando Posthumus é informado por um escravo
canalha que sua mulher, Imogene, o tinha traído. Ele acredita no caluniador,
embora tivesse muitas provas que comprovavam que ela o amava e que esse
amor era puro. A peça tem um
final feliz, mas esboça poderosamente a
amargura, raiva e desespero
de alguém que
fica convencido de que a pessoa que
ama, aquela cuja imagem
é a fonte de
sua alegria, o
traiu.
Podemos dizer que amamos de
verdade quando a impaciência
do ser amado, a ingratidão, ou "rudeza" (em outras palavras,
quando sua verdadeira
beleza é revelada) nos causam
mais sofrimento porque ele está manchando sua
roupa bonita e
apresenta-nos uma caricatura da sua
verdadeira face, do que se de fato tivesse nos ferido. Acima de tudo, o verdadeiro amante se entristece quando a
pessoa amada ofende a Deus. Por ordem
de importância, a ofensa a Deus é a
fonte primária de tristeza, o mal que ele faz a
sua própria alma é
a segunda; e por
último –embora seja profundamente
doloroso - é
a ferida que ele inflige
a quem o ama
tão profundamente .
Quem ama verdadeiramente está mais preocupado com os interesses da pessoa amada - o que realmente beneficie a alma da pessoa amada - que com os seus próprios. Daí a disposição de fazer sacrifícios por ela nas pequenas
coisas da vida quotidiana em que
os gostos das pessoas diferem: um quarto muito quente ou mais frio; comer em casa ou num restaurante, ir a um jogo de futebol ou ficar
em casa; assistir um programa de televisão quando o outro deseja ver um programa diferente, e assim por diante. No entanto, essa concessão deve ser limitada a casos de preferências subjetivas, é claro, e nunca deve
estender-se aos princípios. Ainda assim, todos nós sabemos de cônjuges muitas vezes mal tratados por seus maridos (ou esposas), que estão tão preocupados com o bem-estar eterno da pessoa amada que eles
aceitam todos estes sofrimentos, oferecendo-los
para sua causa.
Um grande sinal de amor
verdadeiro é o da paciência amorosa
que se tem em relação às fraquezas
do ser amado. Pode ser suas idiossincrasias, seu temperamento, suas manias
(todos nós temos), pode ser suas fraquezas físicas, suas singularidades psicológicas,
a sua incapacidade intelectual para
seguir uma linha reta de
raciocínio; seu transtorno,
ou o seu fanatismo pela ordem. Se a um monge é dado constantemente ocasiões
para "morrer para a sua própria
vontade" (como diz São Bento),
o mesmo acontece com os casamentos.
Cardeal John Henry Newman, escreve que,
mesmo nas mais profundas relações
humanas, quando o amor é autêntico,
a vida em comum dará uma abundância de oportunidades para provar o seu amor ao sacrificar as suas próprias preferências.
A História de uma Alma,
a partir deste ponto de vista, é também um tesouro espiritual.
Santa Teresa de Lisieux claramente sofreu muito com a falta de educação e boas maneiras de algumas freiras. Ela aprendeu
a santa arte de usar toda e
qualquer irritação para dar
glória a Deus, incluindo o ruído enervante
que uma irmã fazia na tenda ao lado dela,
que a impedia de rezar e de se recolher.
Ainda assim, Teresa conseguiu vencer tudo isso através do amor.
Surpreendentemente, isso também pode trazer felicidade e melhorar os casamentos,
mesmo quando a pessoa que amamos tenha ferido nossos corações. O verdadeiro amante, cujo amor é
batizado, vai usar estes sacrifícios insignificantes como faziam na Idade
Média, quando artistas usavam pequenas porções de lã para fazer tapeçarias
maravilhosas.
O verdadeiro amante sempre usa palavra "obrigado". Também é fácil para
ele dizer "me perdoe", para bem do relacionamento, por que inevitavelmente
nós cometemos erros. Se alguém imagina
que ele pode encontrar-se em uma situação em que ele nunca vai cometer um erro, essa pessoa não deve se casar, ou ter
filhos, ou entrar para um
convento. A arte sagrada da vida é saber que vamos
cometer erros, reconhecê-los,
arrepender-se e, com a graça de Deus,
ter a prontidão para a mudança.
Simultaneamente, é
importante que ambos reconheçam os seus erros. Todos nós conhecemos
casos em que uma das pessoas
é sempre crítica do
outro e facilmente se esquece
que "a prontidão para a mudança"
deve ser recíproca, e que ele também é afetado pelo pecado original.
Outra característica do amor
verdadeiro é que o ser amado "está sempre presente” com a gente, mesmo quando estamos ocupados ou absorvidos com alguma obrigação. Ele cria o quadro de
nossos pensamentos (depois de Deus). Assim como a fé em Deus e o amor de Deus devem ser sempre o fundo de todos os nossos pensamentos e ações, o ente querido está sempre conosco, ou seja, tudo o que nos acontece
esta sempre relacionado com a pessoa amada.
O amante sente uma urgência
santa para dizer "obrigado" e "me perdoe". Ela brota do seu coração sem esforço. O verdadeiro
amante experimenta a verdade profunda
das palavras do Cântico
dos Cânticos: "Se alguém desse toda a riqueza de sua casa em troca do amor, só obteria desprezo".
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