"Oh! quem pudera fazer compreender, amar e praticar tudo o que encerra este conselho dado pelo Salvador sobre a renúncia de si mesmo ["se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me, porque quem quiser salvar sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, salvá-la-á" (Mc 8,34-35)], para os espirituais aprenderem como devem andar neste caminho de modo bem diferente do que muitos pensam! Segundo a opinião de alguns é suficiente reformar os hábitos e ter um pouco de retiro; outros se contentam em praticar até certo ponto as virtudes, orar e mortificar-se. Mas nem uns nem outros se dão ao verdadeiro desprendimento e pobreza, à renúncia e pureza espiritual (que é tudo o mesmo) aconselhada aqui pelo Senhor. Bem longe disso, vivem a alimentar e encher a natureza de consolações e sentimentos espirituais em vez de desapegá-la e negar-lhe toda satisfação por amor de Deus. Pensam ser bastante mortificá-la nas coisas do mundo, e não querem aniquilá-la completamente e purificá-la em toda propriedade espiritual. Assim fogem eles como da morte à prática desta sólida e perfeita virtude que está na renúncia de todas as suavidades em Deus, e que abraça toda a aridez, desgosto, trabalho, numa palavra, a cruz puramente espiritual e o despojamento completo na pobreza de Cristo. Buscam somente as suaves comunicações e doçuras divinas. Isto, porém, não é a negação de si mesmos, nem desnudez de espírito, mas, sim, gula de espírito. Essas pessoas se tornam espiritualmente inimigas da cruz de Cristo, pois o verdadeiro espírito antes procura em Deus a amargura que as delícias, prefere o sofrimento à consolação; a privação, por Deus, de todo o bem ao gozo; a aridez e as aflições às doces comunicações do céu, sabendo que isto é seguir a Cristo e renunciar-se. Agir diferentemente é procurar-se a si mesmo em Deus, o que é muito contrário ao amor. Com efeito, buscar-se a si mesmo em Deus é procurar as mercês e consolações divinas; mas buscar puramente a Deus consiste não só em querer privar-se de todos os regalos por ele, como ainda em inclinar-se a escolher, por amor de Cristo, tudo quanto há de mais áspero, seja no serviço divino, seja nas coisas do mundo: isto, sim, é amor de Deus."
(São João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, livro II, capítulo VII, parágrafo 5)
"Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt"
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