sábado, 8 de março de 2008

Amar ao próximo

"No amor abstrato para com a humanidade, não se ama a ninguém, e sim a si próprio." Nastássia Filíppovna, personagem do romance "O Idiota", de Dostoiévski, capítulo 10 da Terceira Parte.


Uma coisa que me chamou a atenção logo que comecei a compreender o processo revolucionário em que vivemos foi a aparente contradição entre orgulho e sensualidade por um lado, valores metafísicos básicos dessa revolução e que parecem ser mais próprios ao individualismo, e o surgimento de ideologias coletivistas por outro.

Para os que ainda não pararam para pensar no assunto faço um resumão: No final da Idade Média despontou na Europa uma certa mentalidade que tinha, já nesses seus primeiros passos, uma tendência à modificação dos valores, substituindo aqueles ensinados pelo cristianismo por outros, então não mais ordenados por Deus mas por cada individualidade. O processo que forjou essa mentalidade foi responsável, na seqüência, entre outras, pela Pseudo-Reforma protestante, pela Revolução Francesa e pelo Comunismo e, daqueles primórdios até hoje, conseguiu operar grandes estragos, influenciando a alma do homem e todos os aspectos dela decorrentes: a cultura, a ciência, a filosofia, as artes, os costumes, etc..

Como disse, o cerne dessa revolução é a valorização desordenada do indivíduo. Desordenada porque, como cristão, pressuponho uma Ordem maior na qual o homem está inserido e que, naturalmente, deve guiar suas ações, mas que ao ser substituída por uma outra ordem artificial e à ela contraditória é desrespeitada. Neste nosso caso o Absoluto que organizava toda a conduta humana, Deus, é trocado paulatinamente por um outro, ou melhor, vários outros (cada individualidade) que "valorizam" o indivíduo de forma errada, contra a Ordem natural.

Temos então, fruto desta troca, a valorização positiva do orgulho e da sensualidade, que passam a ser os parâmetros pelos quais se julga se determinada coisa é boa ou não. Vale dizer, isso ou aquilo é bom porque me faz feliz ou porque me dá prazer e, ao contrário, é ruim se me causa dor, se me coloca em posição inferior, etc.., o que, como é fácil perceber, nega valores cristãos básicos como o sacrifício (a cruz), austeridade, hierárquia, entre outros. Hoje é comum chamar esses parâmetros de qualificação de hedonismo, ou seja, a busca do prazer individual e imediato.

Pois bem, agora volto ao ponto de partida. Quando eu comecei a ser apresentado à essa realidade uma aparente contradição me chamou a atenção: Como um processo com base tão nitidamente individualista pode ser a responsável pela valorização da coletivização, as vezes até em detrimento do individual? Se, como eu disse, o Comunismo é fruto desse processo revolucionário, como explicar que o indivíduo tenha nele tão pouca importância a ponto de poder ser sacrificado sem qualquer problema moral, e até pior, com certo mérito? Minha resposta foi mais ou menos a que segue:

Primeiro, já no século XIX se percebeu, em termos teóricos, que a individualidade como Absoluto que ordena o todo é um problema lógico, pois as pessoas concretas erram e o resultado desses erros prejudicam terceiros, o que qualquer criança com mínimo desenvolvimento intelectual pode constatar. A resposta, porém, foi não a supressão do sistema, não a subordinação à uma ordenação superior ao indivíduo, mas a manutenção do mesmo parâmetro hedonista, porém não mais legitimado pela chancela de cada indivíduo, mas da de sua coletividade, da massa, da maioria, cuja representação se dá no Estado.

Segundo, o orgulho tende, logicamente, ao ódio à desigualdade, qualquer que seja ela. Fortuna e autoridade ferem aquele sujeito que aprendeu a pretender ser o centro do universo, pois lhe mostram seu devido lugar, tirando-o do seu sonho grandioso.

Terceiro, no meu entender, mesmo nesses casos o individualismo é apenas levado às últimas conseqüências e aquele indivíduo com o maior poder passa a determinar o que seja bom ou mau em detrimento das demais individualidades, seja no campo teórico, onde o poder de teorização não encontra outro obstáculo que a imaginação e, raras vezes, a lógica, seja no campo prático, onde o poder é limitado por questões políticas, estratégicas, enfim empíricas. Significa dizer que ao formular suas idéias Marx tinha poder quase absoluto, não de execução mas de formulação teórica, movido sempre pela idéia de prazer "imediato" e orgulho, ao passo que Lênin, Stálin, Pol-pot, Mao, Fidel Castro e outros carniceiros, movidos pelos mesmos ideais, foram capazes de comandar outros, por força ou convencimento, à execução de um projeto coletivista, onde a individualidade pouco importava e para a implementação do qual mais de 110 milhões de pessoas foram imoladas, visando um mundo sem diferenças e com total liberdade.

No fim, a resposta à minha dúvida se resume naquela frase colocada na boca da personagem de Dostoiévski: "No amor abstrato para com a humanidade, não se ama a ninguém, e sim a si próprio.".

***

Mais uma vez tive que me ausentar do blog, meus dois computadores resolveram parar juntos, mas graças a Deus um já voltou a funcionar.

"Tuu totus ego sum, et omnia mea tua sunt."

2 comentários:

Elton Quadros disse...

Graças a Deus esse computador voltou a funcionar. Muito bom o seu texto e maravilhosa a citação de Dostoievski.
Obrigado por melhorar o dia do Senhor!

Abraços deste malungo!

Anônimo disse...

Dois computadores parando juntos é greve!! :) Caro Christiano, sua análise da revolução cultural é bem serena. De fato já faz tempo... E como é triste sabermos que, aparentemente, estamos no apogeu de tudo isso (já me disseram que é o declíneo, mas acho difícil de acreditar dado à atual mudança nos valores do próprio critério de vida!!!). O tema é atual e peço a Deus que nunca caiamos nessa historinha de amor abstrato... Seja no abstrocionismo de pseudos-direitos humanos ou nos ecoabstracionismos... Enfim, bom texto!